terça-feira, 24 de maio de 2011

Capítulo II - Terça-Feira no terceiro vagão


“Moço, o cotovelo é necessário?” Perguntou Felícia ao ter o rosto colado na parede do terceiro vagão. Numa torta posição que mais lembrava um ladrão sendo revistado pela polícia, mas é claro, sem a parte das mãos bobas nas nádegas, o que era uma pena, uma vez que seria um ponto positivo, ou, quem sabe, o início de um relacionamento? Ela ainda sonhava com o príncipe encantado, ou sapo, não era exigente. Seu desejo era casar, ter alguém para dividir a cama e as contas. Queria poder levar os filhos ao colégio, passear com os cachorros e brigar pelo controle remoto. Queria comprar em setenta vezes nas Casas Bahia e ter a sua casa... Seu espaço... Espaço? Espaço é o que não tinha no terceiro vagão!

Olhou para o homem do cotovelo, não era feio... Na verdade era bem interessante... Muito interessante... Ficou feliz por ter se arrumado melhor, havia colocado seu modelito sexy (leia tomara-que-caia branco, calça justa e seu típico par de sapatos brancos) Apaixonou-se, mas não ouviu sininhos, pelo contrário ouviu um desafinado coro gospel. Não se sabe como, mas uma dúzia de evangélicos iniciaram um culto dentro do vagão.

“Te machuquei?” Perguntou o belo.

“Não da forma que eu queria...” Seduziu a fera.

“Aleluia!” Berraram os religiosos.

Então o homem sorriu, Felícia pode notar que lhe faltava um dente... Não se importou, se conseguisse mexer o braço, lhe daria o telefone de seu dentista com o seu anotado em baixo, é claro.

Quando já se imaginava num vestido de noiva, casando-se numa cerimônia real, a inconveniente porta se abriu, a enamorada viu o pai de seus filhos desaparecer junto à multidão que surgia. Gritos, empurrões, falta de ar... Perdeu o possível homem da sua vida e também seu amado sapatinho branco. Um desespero de enlouquecer apoderou-se de seu corpo esquelético. Não conseguia se mexer nem para fazer um gesto obsceno para uma mulher que gritava em seu ouvido...

Gritos, gritos e mais gritos! Aquilo era um culto ou uma briga? ERA UMA BRIGA! Uma mulher tão grande, que mais parecia uma ursa com gigantismo, havia se irritado com os evangélicos e partido para cima de uma das “irmãs”. Felícia pensou em comemorar, mas não houve tempo. Em meio a toda esfregação, num gesto brusco, viu seu tomara-que-caia ser arrancado.

Nua, descalça e encalhada.

Não demorou muito e já chamava a atenção. Aquilo parecia um show de horrores, uma mulher exaltada batendo, uma mulher exaltada apanhando, uma mulher exaltada tentando se cobrir. Logo os religiosos iniciaram um ritual de exorcismo... Mas que igreja era essa? Não importa!

Pensou no homem, “se ele estivesse ali”... Pensou no sapato, “Quem sabe ele não o encontrou?” Era uma vez uma Cinderela moderna, sendo queimada na fogueira santa...

As portas se abriram, o show chegou ao fim... A multidão saiu...

Descalça, Felícia se arrumou... Enfim, sentada, pensou no dia que só estava começando... Aquela terça-feira...

Num piscar de olhos, uma nova multidão invadiu o vagão. As portas se fecharam! O trem estava voltando! Sentada estava, sentada continuou... Pelo menos estava sentada...


CONTINUA NA QUARTA FEIRA ...

QUARTA-FEIRA QUE VEM!

2 comentários:

  1. Muito bom!!! Quem nunca teve um "amor de transporte público"? kkkkk Felícia me lembra Macabéa de Clarice Lispector.

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