terça-feira, 7 de agosto de 2012

Representando: EU!

Ainda embaçados, os olhos vermelhos, arranhados pela areia invisível do sono interrompido, se abrem ao som de alguma música que jamais irá me interessar. Sem motivo algum escancaro a janela. Lá está ela, como todos os dias, a vizinha, idosa, negra, cara de poucos amigos, mas estranhamente fofa ao cochilar em sua cadeira de fitas coloridas. Por inveja daquele sono, faço o primeiro gesto obsceno do dia e, com fúria, bato a janela, imaginando a cabeça de alguém entre os vidros, provavelmente do ser responsável por me acordar com uma melodia de gosto duvidoso.

Após o primeiro crime imaginário, ao lamber os lábios, sinto o gosto agridoce do mal hálito, resultado de mais uma noite de muito vinho barato e pouca higiene bucal. Dane-se!

Alguém me encara, tem olhos grandes e lunáticos, olheiras tão profundas que pareciam fabricadas. Tem seu charme, tem também o rosto retalhado por insistentes fios de uma barba grossa, uma gordurinha inflando a cintura e o cabelo desregrado. Após jogar o último grão de areia na sepultura de minha autoestima, saí de frente do espelho. Ainda me acho lindo, problema de quem pensa o contrário, nesse caso, o problema é meu!

O tempo gasto no banho é o suficiente para decidir qual roupa vestir, por mais excêntrico que seja, o chuveiro me deixa criativo, seria capaz de escrever um livro de sucesso chamado "Quando Lavo o Umbigo".

É  desanimador o terror que sinto em ter que sair e encarar o mundo e as mais absurdas e desnecessárias pessoas que nele habitam. Gosto pouco de pessoas, acho que tenho medo delas. O convívio social nunca foi meu forte, nem me interesso muito. Egocentrismo combinado com insegurança. Nunca por timidez. Acho cômico ser rotulado como tímido! Mentira, tenho ódio! Dane-se, pela segunda vez.

Como castigo por mentalmente me divertir explodindo o próximo, sou obrigado a conviver todo o caminho, em direção ao trabalho, com um estranho falante no ônibus. Qualquer chance que teria de terminar a leitura de um livro será abortada pela insistente mania que desconhecidos tem de querer interagir comigo! Com sorte, talvez ele se engasgasse com a pipoca e morreria em direção ao hospital... Sei que não devo desejar o mal e que todos somos irmãos, mas além de falar cuspindo, o cidadão usava uma daquelas calças "descoladas" repletas de bolsos, zíperes, estampas e todo tipo de cafonice... Isso eu não tolero!

Talvez um dia eu consiga dominar a arte de acordar feliz, cantando e seguir a vida por uma estrada de tijolos amarelos, mas enquanto isso não acontece eu me contento em usar meu fone de ouvido (que só funciona de um lado) e tentar ser falsamente feliz, mesmo porque, o dia só está começando...


Um comentário:

  1. Dormir é bom demais, de fato... Muito difícil acordar feliz. Mas nem é impossível. Da próxima vez nos descreva o que te faz começar bem o dia...

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