domingo, 18 de novembro de 2012

Velharias

"Traste ou objeto antigo."

Tudo começou com uma vontade repentina. Costumo ter essas vontades repentinas: Vontade de escrever um livro, vontade de aprender a tocar Oboé, vontade de pesquisar sobre o que é um Oboé, vontade de vender tudo o que tenho e fugir para os Estados Unidos e participar do X-Factor e ser julgado pela Britney e Demi Lovato... Enfim, tudo começou com uma vontade repentina de mudar de lugar todas as coisas de meu quarto. Apesar do inexplicável tesão em arrumar gavetas, não sou nenhum fanático em organizar coisas e a preguiça me obriga a dizer que acho a desordem mais interessante, por mais apocalíptica e desesperadora que possa ser.

Era um dia qualquer da semana e eu estava entediado. Não que me faltassem tarefas, porém os dias que fico sem acesso a internet me irritam mais que gordas de tomara-que-caia. Já tinha atualizado alguns capítulos do meu romance; performado algumas músicas como um cantor profissional num clipe repleto de efeitos de fumaça e vento (adoro vento); e assistido a dois filmes antigos... Ainda faltava alguma coisa, pensei em sexo, mas cruzar a ponte Rio Niterói seria uma aventura mais complicada que completar o projeto de arrumar as coisas do meu "tão sem identidade" quarto.

Olhei para a porta, com diversas figuras coladas, um projeto antigo e fracassado, como muitos outros. Fiquei com preguiça dela. Queria mudar, mas não sabia por onde começar. 

Quando já estava desistindo e procurando a nova música que me transformaria em capa da Rolling Stones, meus olhos gigantes se cruzaram com a pequena caixa de isopor. Lá estava ela, velha, feia e com uma grosseira pintura vermelha, fruto de outra vontade repentina a de estilizar tudo que tinha. A emoção foi tão gigante que nem ao menos procurei nada para subir e retirar aquele tesouro de cima do armário. Dei o primeiro salto e não deu outra, agarrei a caixa, ela escapou da minha mão e, em câmera lenta, todo seu conteúdo se virou em cima de mim. 

Toda uma parte da minha vida estava ali. O elenco que dirigi durante anos, agora eram meros aposentados e a caixa era o "Retiro dos Artistas". Batman, Hércules, os Power Rangers, um Super Mario sem cabeça, Xena estava nua, Sailor Moon continuava linda. Alguns bonecos ali eu nem lembrava que ainda guardava. Aquele era O Elenco da velha caixa de Isopor! Foi com eles que passei grande parte da minha infância, criando sagas com trilha sonora, elenco fixo, temporadas e premiações. Talvez sejam eles os responsáveis por uma porcentagem considerável de insanidade que  ainda me habita.

Já estava me sentindo personagem de Toy Story, tratei de pegar os bonecos (com muito cuidado e carinho) e os fechei na caixa. Se ganhassem vida, não sei se ficariam felizes de estarem ali naquela caixa velha, amontoados uns sobre os outros. Consigo imaginar Superman em atrito com um dinossauro que ocupa muito espaço, também vejo Mulher Gato e Hera Venenosa praticando Bullying com a não tão famosa Mulher Aranha. Pensei numa nova série que seria sucesso mundial, contudo resolvi voltar a idade adulta e continuar na arrumação.

Eu precisava mudar o foco. Expulsei o ventilador. Um objeto, velho, branco e alto, também era usado para pendurar a toalha e isso não melhorava em nada sua aparência. Pesquisei em toda casa o lugar mais apropriado para exilar aquele objeto, foi quando me lembrei das noites quentes em que ele me jogava ventinhos abafados. Senti ternura. Não tinha outro lugar pra ele! Quase que lhe dei um abraço patético, mas me limitei a olhar feio para o canto da parede onde seria instalado um ar-condicionado. Descobri que ventiladores são poéticos, ainda mais quando lhe penduramos toalhas.

Fiquei em silêncio. Imóvel. Olhei para o teto, paredes, chão. Reparei em todas as suas velharias e imperfeições e em todas as MINHAS velharias e imperfeições. Com um meio sorriso seguido de um suspiro, atirei-me na cama e dormi.




3 comentários:

  1. é final do ano, ótima desculpa para você doar esses brinquedos!
    ;)

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  2. Acredito que foi um bom texto de volta, com sua marca e sua identidade. Imaginei-o claramente no texto. Ainda acho que você precisa fazer mais dramas, quero ver até onde é capaz de chegar!

    Seja bem vindo de volta, amigo!

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  3. Sempre uma delicia ler seus textos! Pfvr, publique um livro logo! ♥

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