quinta-feira, 13 de novembro de 2014

CAPÍTULO 1 - A CULPA É DA GORDA!

ALICE NO FUNDO DO POÇO

EPISÓDIO DE HOJE: 

A CULPA É DA GORDA!


BALZAQUIANA: Mulher na faixa dos 30 anos. Há quem empregue a palavra balzaquiana de forma pejorativa e até negativa. Mas, na realidade, é com 30 anos que as mulheres chegam ao seu ápice: mais maduras, realistas e vividas, elas esbanjam sensualidade e realização.

          Para início de conversa seu quarto era lilás, mas não pensem vocês que estou falando de um lilás discreto, estou falando do lilás berrante, enjoativo e com cheiro de chiclete. Parte dessa tinta lilás era coberta por pôsteres de inúmeros astros adolescentes e fotografias... Muitas fotografias. Ah, claro, também havia uma estante com os mais diferentes bichinhos de pelúcia, todos delicadamente sentadinhos, separados por tamanho, cor e idade. Todos fofos, fofíssimos.
            Era um típico quarto infantil, qual o problema nisso? Problema nenhum... Se ela FOSSE uma criança!
            Alice tinha trinta e dois anos!
            Alice Maravilha, trinta e dois anos, jornalista, solteira e sem filhos. Altura mediana, acima do peso, voz fina. Ocupa o tempo indo sozinha ao cinema, preferencialmente para ver algum “filme de chorar”. Apesar de ter pouquíssimos amigos, todos virtuais, dizia odiar livro de autoajuda e ria de todas as mulheres frustradas que reclamavam da vida. Alice era uma mulher frustrada, mas nunca reclamava de nada, ou pelo menos nunca exteriorizava seus problemas... Mesmo porque, faria isso pra quem?
            Quando Alice acordou aquela manhã, estava mais feliz que vencedora de Reality Show. Com sua camisola de gosto duvidoso, pulou da cama e correu pela casa cantarolando desafinadamente o sucesso de sua boyband preferida: a Flop4.
            Boyband é como chamamos um grupo de cantores pop. Geralmente todos são lindos e, na maioria das vezes, não cantam tão bem, mas quem se importa?
            Conheceu essa banda quando voltava de um encontro desastroso, na verdade nem podemos caracterizar como encontro quando a pessoa espera, por mais de duas horas, alguém que conheceu pela internet. Alice já estava se afogando nas próprias lágrimas quando começou a ouvir a música que a transformaria. Era a Flop4! Ela limpou o rosto, estufou o peito e tomou a decisão mais importante da vida. Ia aprender a se socializar fora da internet e criar relacionamentos sadios e felizes? Claro que não! Ia se tornar a presidenta de fã-clube. Gastou metade do salário em camisas, pirulitos e, é claro, no ingresso do primeiro grande show ao vivo.  
            Quatro dias passando fome, sede, frio, acampada na porta de um estádio de futebol, entretanto se realizaria. Ficaria frente a frente à Flop4!
            Óbvio que as coisas não aconteceram magicamente como imaginara.
            Assim que os portões se abriram, uma grande onda, praticamente um tsunami de adolescentes histéricas, surgiu derrubando quem estivesse na frente, ou seja, Alice!
            Foi uma verdadeira aventura conseguir um bom lugar, se é que pode se chamar de bom lugar ficar entalada entre um anão oriental e uma magricela de cabelo ruivo e volumoso. Quando a banda surgiu no palco, ela esqueceu tudo e sentiu vontade de gritar, mas não podia, o anão pisou em seu pé e o cabelo da ruiva entrou em sua boca, para piorar tudo, uma desesperadora vontade de fazer xixi, apoderou-se da mulher.
           Queria pular, dançar, e, acima de tudo, ir ao banheiro. Jurou que nunca mais beberia nada antes de sair de casa, juramento esse que sabia que seria em vão, pois água era um importante ingrediente da nova dieta revolucionária que estava seguindo. A dieta do sol: você só pode comer até o sol se pôr, depois disso, só podia ingerir água. O resultado era que agora estava ali se contorcendo, aflita e com ódio de revistas femininas para mulheres gordas.
            Seu conforto era que ninguém a notaria naquele lugar, pois além das luzes malucas e da fumaça colorida, as pessoas preferiam dar atenção a tal da magricela de cabelos rebeldes e ruivos que, naquele instante, arrancara toda a roupa, deixando muito animado o anão de descendência oriental. Um cheiro de desodorante duvidoso tomou o nariz de Alice, estava impossível respirar, nunca esteve numa situação tão desesperadora desde o dia em que pegou seus avós, na cozinha, pelados e cobertos de farinha de rosca, quando tinha oito anos.
            Depois de uma abertura clichê com efeitos pirotécnicos e fumaça, a banda surgiu no palco. Eles voavam com a ajuda de cabos de aço e a multidão gritava ainda mais.
            A banda era formada por quatro integrantes, dois rapazes e duas moças. Cada um vestia um personagem, um estereótipo cuidadosamente criado para gerar identificação junto aos fãs: O Louco, o Gato, a Malvada e a Fofa.
            Enquanto era jogada de um lado para o outro, para cima e para baixo, Alice tentava cantar a música da banda. Descabelada, ainda sorria. A primeira música havia chegado ao fim e ela ainda estava viva. Sorte pra quem?
            Foi neste exato momento que aconteceu o que ninguém esperava: A Flop4 interrompeu o show e anunciou o fim da banda!
            Alice sentiu as pernas tremerem, o coração parecia sair pela boca. Num passe de mágica as pessoas começaram a se afastar, o tsunami adolescente havia se transformado no mar vermelho e começava a se abrir e Alice, no meio, era como se fosse Moisés!
Os integrantes da banda encaravam a garota. A garota encarava os integrantes da banda. As outras pessoas encaravam a garota e os integrantes da banda. Alice nada entendia.
Os quatro membros da Flop4 apontavam para ela. Sentia quatro dedos em sua testa.
            Não! Não podem se separar! Minha vida se resume a vocês! Eu sou feia, gorda, chata, ninguém gosta de mim, mas eu tenho vocês... — berrou Alice, sua voz ecoou em meio à multidão, que começou a vaiar, mas ela não deu de ombros e seguiu decidida em direção ao palco.
            — Será que ela está drogada? — perguntou uma moça.
            — Você disse armada? — perguntou outra.
            — Só se for com uma barra gigante de chocolate.
            Sem saber de onde havia tirado forças, Alice já tinha escalado o palco e se perguntava onde estariam os seguranças. Estava furiosa.
         — Passei mais de uma noite, acampada, só pra ver o show de vocês! Dividi uma barraca laranja com um anão japonês tarado e com uma ruiva excêntrica chamada Cleide. Se vocês acabarem, eu morro! Vocês são a Flop4! Não podem se separar... Vão se tornar cantores solos e fracassados que lançam um disco e depois caem no esquecimento!

           De repente uma melodia lúdica se iniciou. Dançarinos brotaram no palco. Alice nada entendia, mas também não conseguia falar e, mesmo se conseguisse as palavras já não habitavam sua cabeça. Foi rodeada pelos cantores, logo não eram mais um quarteto, se multiplicavam e também mudavam de cor. Unidos eles cantavam, dançavam, sorriam e voltavam a cantar num looping eterno a música de uma só frase: “A culpa é da gorda”.
CONTINUA...

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